sábado, 9 de outubro de 2010

MUNDO DAS HQs 4 - HQs EUROPÉIAS: LUTA E GLÓRIA




BATALHANDO NA AMÉRICA 

Como os Estados Unidos sempre teve a 
maior indústria de HQs mundial, 
muitos europeus, sonhando em viver de quadrinhos, rumavam para a América, cheios de esperanças. 

Em 1951, Uderzo (o desenhista que seria num 
futuro não muito distante um dos criadores de Asterix) 
foi para a América, também, tentando sobreviver
de sua arte. Começou a fazer uma longa peregrinação
pelas editoras americanas e os diversos e famosos syndicates sem obter um resultado positivo.
Depois de alguns dias batalhando percebeu 
que um autor europeu tinha pouca chance de 
sobreviver de HQs ou entrar naquele mercado
fechado e restrito. O dinheiro estava acabando, 
a situação era precária, desesperadora.
O que fazer, caso não conseguisse nem um trabalho?, pensou o jovem autor.
Voltar para Paris derrotado era a única resposta
que vinha à sua mente, e que ele não queria 
aceitar.Decidiu continuar na luta e aos poucos 
pegou um trabalho ou outro.


COISAS DO DESTINO 
O jovem Uderzo insistia em permanecer em 
solo americano comendo o pão que o
diabo amassou, literalmente. Voltar ao seu país, 
humilhado, sem ter conquistado nada, 
não fazia parte de seus planos. 
Ele era ciente do seu potencial artístico. 
Desenhava figuras cômicas, caricaturas, desenhos anatômicos e se adaptava a qualquer estilo ou gênero. 
Em seu íntimo achava impossível não conseguir 
sobreviver de sua arte naquele país. 

Certo dia, ele recebeu um telefonema de Monsieur Troisfontaines, da agência World Press, falando 
que sua empresa tinha a pretensão de lançar 
um álbum de HQ na América e que para isso 
contava com um escritor de humor que tinha
muito talento e era totalmente desconhecido, 
um tal de René Goscinny que, por acaso,
também estava nos Estados Unidos tentando a sorte. 
Troisfontaines Insistiu para que Uderzo procurasse Goscinny, um jovem amigo muito talentoso.

"Conhecer René Goscinny foi, de fato, um prazer. 
Trocamos muitas ideias, percorríamos os syndicates 
juntos, as editoras e até as emissoras de TV. Ele estava decidido a se tornar um grande ator cômico na América,
não estava interessado em fazer HQs", declarou Uderzo, anos depois. Mesmo assim tinham muitas afiniades. Firmaram uma grande amizade. Certa feita, Goscinny confessou a Uderzo que jamais recusava a embarcar
nos “loucos projetos” do amigo Troisfontaines
que sonhava em fazer uma boa HQ na Europa para vendê-la aos editores americanos.

RENÉ GOSCINNY, 
UM GRANDE ESCRIBA

 
Goscinny – Um sobrenome  de origem 
polonesa. Significa: hospitaleiro. 
Ele e sua família chegaram em Paris em 
1926. Dois anos depois, eles tiveram que se mudar, 
quando seu pai, um engenheiro químico, que trabalhava numa grande empresa francesa, foi mandado para a Argentina, na América do Sul.

Enquanto o italiano Uderzo estudava numa 
escola francesa, após a imigração de seus pais 
italianos, em virtude da guerra, 
Goscinny estudava numa escola argentina.
Os dois jovens, na verdade, não sabiam que o
destino, um dia, iria reuní-los para criar 
uma verdadeira obra-prima das HQs
mundiais: Asterix. 

Após completar seus estudos na Argentina, 
numa escola francesa, René Goscinny partiu 
para os Estados Unidos em busca de seus sonhos profissionais: tornar-se um escritor e fazer humor. 
Na verdade ele desejava ser um autor e ator cômico,
mas acabou enveredando pelo mundo 
dos quadrinhos, acidentalmente. 
O culpado foi o eterno sonhador Georges 
Troisfontaines, que ele conhecera há anos atrás, 
quando este estava em Nova Iorque, para 
divulgar e tentar lançar no mercado americano o personagem Dick Dicks. O belga acabou encorajando Goscinny a escrever para a serie La Wallonie e
para outras séries de seus editores na Bélgica. 
Também disse que seus clientes precisavam 
de novidades, principalmente,
de HQs bem humoradas.
 
Georges, na verdade, foi o grande responsável
por reunir Uderzo e Goscinny num ousado projeto
de quadrinhos, que tinha como objetivo o mercado americano. Georges Troisfontaines passava
grande boa parte do tempo em Paris.
Por telefone, ele insistia muito para que
Uderzo e Goscinny voltassem à França para
trabalhar com ele. 
Dizia que precisava de jovens criativos, 
talentosos, à sua volta. Após sua aventura 
frustrada nos Estados Unidos, fazendo trabalhos
esparsos, Uderzo regressou para Paris decepcionado. 
De volta à Paris reencontrou René Goscinny, um 
jovem de 24 anos, no estúdio de Georges
De repente, isto lhe deu ânimo, revigorou seu 
espírito aventureiro, visto que ambos tinham se decepcionado no mercado americano.

UMA DUPLA PERFEITA
  
Pouco tempo depois, os dois passaram a 
trabalhar num estúdio na avenida
Champs-Elysées. Entrosaram rapidamente.
Eram, literalmente, uma pequena "equipe de 
dois", como Laurel e Hardy (o Gordo e o Magro).
Tinham muitas afinidades e humor à flor da pele. 
Viviam fazendo piadas sobre tudo e sobre todos.
Algum tempo depois, após realizarem alguns 
trabalhos em parceria, a dupla foi separada, 
apesar de ocuparem o mesmo espaço.  
Albert Uderzo fazia parte da equipe  Cherón, René Goscinny pertencia a equipe Troisfontaines
Trabalhavam, independentemente, tanto para 
a agência International Press como para a
World Press, fazendo inicialmente campanhas 
publicitárias para produtos alimentícios
e algumas HQs, de vez em quando.

UMA NOVA ESPERANÇA PARA LANÇAR 
PRODUTOS EDITORIAIS CRIADOS
POR EUROPEUS NA AMÉRICA


O grande sonho de Troisfontaines era ter um
produto nos Estados Unidos, como já disse.
Muitos achavam que ele era maluco. 
Mas, nada, nem ninguém conseguia tirar essa 
ideia doida da cabeça daquele homem determinado. 
Nesse período, inúmeros personagens foram criados
por Uderzo e Goscinny para as editoras belgas, como: Pistolet, o corsário, Luc Júnior e Oumpah-pah (Humpah-pah contra Maus Bofes, no Brasil, publicado na revista Tintim), uma sátira dos índios americanos.
Quando o persistente Georges Troisfontaines 
mostrou as pranchas desenhadas da serie  
Oumpah-pah para Paul Dupuis, dono da editora
Dupuis, que estava de passagem por Paris, 
o homem ficou encantado e vislumbrou que aqueles personagens cômicos, com certeza, podiam 
ser editados na América, com sucesso.
Achou que o material estava muito bem feito,
tinha grande qualidade artística e era divertido. 

De imediato, René Goscinny foi enviado em missão especial aos Estados Unidos. Levou todo o material, traduzido para o inglês, com ele. No entanto, os editores americanos recusaram o produto. Nova tentativa, 
novo fiasco. Bateu em várias portas onde sempre 
acabava ouvindo um "não" como resposta.
“Os europeus não sabem manipular o folclore
 americano”, diziam alguns editores da terra 
do Tio Sam. Conclusão: satirizar o velho 
Oeste deles não tinha sido uma boa ideia,
deduziu Goscinny, desanimado.

EM PARIS
Enquanto isso, na França, Uderzo desenhava
a serie Sa Majeste Mon Mari, um tanto quanto 
arrasado após tomar conhecimento das notícias
sobre a cruel e fria recepção americana ao
trabalho deles. Na Europa as coisas 
pareciam mais promissoras.  
Milliat Frères, um fabricante de patês, financiou a publicação de uma serie de nome homônio pela 
World Press. Millitant Fréres Magazine que
foi feita por Uderzo e Jean M. Charlier.
Regressando a Paris, traumatizado, Goscinny voltou
a conviver com Uderzo e os demais companheiros no estúdio da World Press, na Champs-Elysées.

PILOTE: UMA NOVA PUBLICAÇÃO 
MUDOU TUDO

 
29 de outubro de 1959.
Chegava às bancas francesas o primeiro número
da revista Pilote, que foi divulgada pela Rádio 
Luxemburgo. Albert Uderzo era o diretor de 
arte e François Clauteaux era o redator chefe.
A Edipress e a Edifrance se associaram a Société Nouvelle Du Journal Pilote, tornando a empresa 
localizada no número 30 da rue Notre-Dame-des-
Victories, mais sólida. A Pilote era uma revista 
100% feita por autores franceses. Reunia os melhores autores da época de vários estilos e contava com 
o apoio de anunciantes, psicólogos e pedagogos, 
pois o produto era dirigido para o público infanto-juvenil.
Para aquela publicação Uderzo e Jean M. 
Charlier criaram Les Aventures de Michel Tanguy e Laverdure, personagens tirados da série de TV Les Chevaliers Du Ciel (Os Cavaleiros do Céu).
Além dessa aventura sobre pilotos da força áerea
francesa outros personagens desfilavam pelas 
páginas da Pilote. Aos poucos essa nova publicação
foi agrandando os leitores e sua tiragem foi
aumentando até se tornar um fenômeno
de venda.

SURGEM: ASTERIX E OBELIX

 

A primeira aparição dos dois heróis gauleses, Asterix e Obelix, foi na revista Pilote, em capítulos, numa HQ cujo
 título era Asterix, o gaulês. Tamanha foi a aceitação 
popular que a história completa foi lançada em forma 
de álbum, em cores, em 1961, pela editora Dargaud
Tiragem inicial: 15 mil exemplares. Venda: 6 mil.

Os autores, Uderzo e Goscinny, não ganharam quase nada por essa primeira edição, pois assinaram um 
contrato onde estava estabelecido que eles só 
teriam direito a receber uma porcentagem 
sobre a venda quando a tiragem chegasse 
a 50 mil exemplares.
No segundo álbum da série: La Serpe D’or,  
milagrosamente as vendas dobraram.
Parecia que de uma hora para outra os
leitores tinham decidido  comprar aquela serie compulsivamente. Aquilo foi uma dádiva
divina, uma nova esperança.



Asterix gladiateur (Asterix, gladiador), foi lançado 
em 1964.Tiragem: 150 mil exemplares. 
O álbum Le Tour de Gaule, foi lançado no ano 
seguinte, teve 300 mil exemplares em sua primeira
tiragem e teve que ser reimpresso, tornando-se um fenômeno maravilhoso de venda. Em pouco tempo 
os álbuns de Asterix passaram a se espalhar 
por toda a Europa e pelo mundo.

Em 1965, enquanto os americanos e os soviéticos disputavam a corrida espacial, a França lançava seu primeiro satélite artificial, chamado: Asterix.

Em 19 de setembro de1966, o pequeno gaulês,
virou capa da revista L’Express. Seus autores 
ganharam uma matéria especial na revista
Paris Match (uma especie de revista Veja, francesa),
onde apareceram numa foto fantasiados como
os dois gauleses da série.
Nesse mesmo ano, Charles De Gaulle foi eleito
presidente da França e as éditions Dargaud 
lançavam nas livrarias o último álbum da coleção:
Astérix chez les Bretons (Asterix entre os Bretões). Tiragem da primeira edição dos Bretões: 600 mil 
exemplares. Este álbum tornou-se o maior fenômeno 
das HQs europeias do século XX, agradando crianças, adolescentes e adultos.






As histórias de Goscinny eram super pesquisadas,
no que tange a referências históricas do povo francês, e muito bem humoradas. Os desenhos de Uderzo 
eram super detalhados e a arquitetura romana da
época eram (e são) espetaculares.
Isto agradou em cheio o povo francês que via e lia, 
pela primeira vez, a história da origem deles, 
satirizada numa HQ. Com as vendas e a popularidade
em alta os autores foram consagrados. 
E, este verdadeiro "boom" no mercado editorial
local logo chamou a atenção das
grandes empresas.

MERCHANDISING: UMA GRANDE 
FONTE DE RENDA    

Asterix, de repente, surgiu numa gama de 
produtos do mercado, como: brinquedos, camisetas, cadernos, mochilas, produtos alimentícios etc. 
Primeiro na França, depois, por todo o mundo, 
fazendo seus criadores faturarem alto em 
royalties (taxa paga para licenciamento para
utilizar a imagem dos personagens 
em produtos comerciais).
A cada dia as propostas cresciam. 
A imagem de Asterix e Obelix faziam as vendas dos fabricantes dos mais diversos produtos 
venderem mais, a cada dia.


AUTORES CONSAGRADOS

Os dois criadores receberam inúmeros prêmios e homenagens pela obra-Mor: Asterix, o gaulês.
Em 1966, o álbum Le Aventures d’Asterix foi 
eleito o melhor livro do ano.





1967 - Os álbuns de Astérix já tinham sido traduzidos
para 32 idiomas. Vendiam milhares de exemplares,
pelo mundo, inclusive nos Estados Unidos. Nas escolas francesas, os professores pediam para seus alunos comprarem os álbuns de Astérix, que acabavam sendo adotados como material de apoio para o aprendizado da história do país, de economia e de latim.
No mesmo ano, os studios Belvision, de Bruxelas, negociava com Georges Dargaud e com os autores a adaptação televisiva, em forma de desenho animado, do álbum Astérix, o gaulês. O filme animado fez tanto
sucesso que acabou gerando outras produções:
La Serpe d’or e Astérix et Cléopâtre, feitos 
especialmente para o cinema.  

O sucesso nas telonas foi retumbante.
Em maio de 1968 a redação da revista Pilote foi surpreendida por violentos protestos populares. 
Astérix foi tachado de racista, xenófabo, etc.
René Goscinny, que trabalhava na redação 
teve que abandonar o local. 
Albert Uderzo viu toda a movimentação à distância.
A polícia teve que intervir para acalmar os revoltosos. 
Para eles, de repente, o mundo parecia estar desabando sobre suas cabeças. Segundo historiadores, o pequeno mundo das HQs, naquela época, estava fazendo sua revolução cultural.
Em Julho de 1970, um novo álbum de Asterix 
foi lançado: Asterix chez lês Helvètes
No talkie-show da TV francesa Pierre Tchernia
durante uma entrevista concedida pelos autores 
ao famoso e popular apresentador, mostrou o
álbum diversas vezes. 
Aquele programa, que tinha grande audiência, 
serviu para fazer grande divulgação daquele 
novo lançamento. Resultado: Uma venda
fora de serie.


STUDIOS IDÉFIX

1968 - Asterix continuava sua  bem sucedida carreira
como personagem de HQs. Seus álbuns continuavam 
a sair pela Dargaud e cada vez mais batia recordes e
mais recordes de vendas.
A exemplo de Walt Disney, os autores do pequeno gaulês decidiram ampliar seus negócios. Os studios Idéfix (Ideiafix), alusão ao nome do cãozinho de Obelix, o companheiro de Asterix, sugiram em 1974. Seus sócios eram: Georges Dargaud, René Goscinny e  
Albert Uderzo. A equipe de criação era composta por
gente experiente e talentosa da area da animação.
Seu primeiro lançamento foi Douze Travaux d’Asterix 
(Os 12 trabalhos de Asterix), baseado em os 
12 Trabalhos de Hércules.
Apesar do filme de animação ter sido um sucesso, o fechamento dos studios Idéfix foi inevitável em 1978, devido ao seu alto custo operacional. Hoje, assim como René Goscinny, que morreu em 1977, os  studios Idéfix também já não existem mais. Porém, Asterix e seus irredutíveis gauleses sobreviveram aos romanos, 
ao passar dos anos, a virada do século XX e 
continuam, até hoje, encantando e alegrando crianças, adolescentes e adultos, com suas aventuras hilariantes. 




Asterix também virou filme
No dia 29 de outubro de 1984 Asterix celebrou seu 
25º aniversário. Segundo uma pesquisa na França ele 
ainda é o mais popular herói das HQs europeias. 
Vendeu cerca de 600 milhões de álbuns pelo mundo. Uderzo foi agraciado como Cavaleiro da Ordem da 
Legião de Honra, dado pelo presidente da República
de seu país. Nesse mesmo ano foi lançado pelas 
éditions Albert René o primeiro álbum feito 
totalmente por Uderzo (que se revelou ser também um ótimo escritor), sem Goscinny.   
“O que é bom nunca morre, o que é bom vive sempre”, 
disse alguém certa feita.


Muita luta, garra, perseverança e determinação
fizeram os autores de Asterix atingirem seu objetivo,
ou seja, o reconhecimento popular. Esses geniais
autores europeus tornaram um sonho realidade.
Asterix também virou sucesso na América.
Prova de que nada é impossível quando se deseja ardentemente alguma coisa.
Um amigo meu vive dizendo: "Para chegar em algum 
lugar na vida, tem que ralar, tem que pagar o pedágio". Concordo com ele e acredito que muitas vezes esse "pedágio" é um preço muito alto e muitos se acovardam diante dos obstáculos e acabam desistindo
de suas metas. Nos piores momentos da v
ida Walt Disney dizia aos seus artistas:
"Não parem! Vamos em frente!"

Um grande poeta americano certa feita escreveu, 
algo mais ou menos assim, que eu levo como 
regra de vida:"Há homens que sonham dormindo
e nunca chegam a lugar nenhum. Só atingem 
seus objetivos aqueles que sonham acordados 
e lutam incessantemente para chegar lá."
Alguém tem dúvida dessas sábias palavras?

É melhor morrer lutando para tentar chegar lá, do que morrer sabendo que nunca tentamos lutar, 
de verdade, para atingir nossas metas e objetivos. 
Se você é autor nacional, anime-se! 
Go ahead!
A batalha de Uderzo e Goscinny é um grande 
exemplo de vida e de inspiração.
Você, se batalhar, um dia também vai chegar lá!
Não desista! Go ahead, my friend!


 

FIM

Por Tony Fernandes\Estúdios Pégasus
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nessa matéria pertencem a seus autores ou
representantes legais. Aqui exercem meramente 
o caracter ilustrativo.